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INFERNO – UM INTERLÚDIO EXPRESSIONISTA

20 jovens atores formados pela Escola Wolf Maya participam de espetáculo dirigido por André Garolli.

O espetáculoInferno – Um Interlúdio Expressionista”, do diretor e dramaturgo André Garolli, também professor da Escola de Atores Wolf Maya, tem no elenco 37 atores jovens ou em início de Carreira.  A convocatória levou 217 pessoas às audições e, entre os selecionados, 20 deles estudaram na Escola Wolf Maya. “Inferno…” está em cartaz no Teatro João Caetano, em São Paulo, às sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 19h, até o dia 22 de setembro.

A peça resultou do projeto Homens à Deriva, da Cia Triptal, contemplado no 32º edital de Fomento ao Teatro, que aborda as possibilidades de aprisionamento em que uma sociedade pode levar uma pessoa. O enredo reflete sobre a situação de pessoas que, ao retornar do cárcere, não conseguem mais serem inseridas na sociedade, ficam à deriva, sem emprego e com as famílias destruídas.

Inspirada em “Not About Nightingales”, de Tennessee Williams (1911-1983), a montagem, dirigida por Garolli, tem Camila dos Anjos, Fernando Vieirae e Fabrício Pietro em cena, além do coro de 37 atores, entre eles, os 20 ex-alunos da Escola Wolf Maya: Alan Recoba, Athos Magno, Bella Santos, Bruza, Carol Rossi, Eduardo Carrilho, Fe Cardoso, Gabriela Carriel, Giulia Oliveira, Guilherme Maia, Ingrid Arruda, Isadora Maria, Jorge Filho, Larissa Palácio, Lucas Guerini, Luiza Módolo, Mayara Villalva, Nando Medeiros, Rafaelly Viannae Roana Paglianno.

Confira, abaixo, entrevista com André Garolli, sobre o projketo Homens à Deriva, sobre as dificuldades da carreria e sobre a importãncia da formação teórica e prática na carreira do ator.

Escola Wolf Maya – No projeto Homens à Deriva existe alguma relação entre o aspecto de tratar problemas sociais e existenciais, enfrentados pelos marginalizados na sociedade capitalista, com o fato de recrutar para o espetáculo ‘Inferno – Um Interlúdio Expressionista’ 37 atores em início de carreira?

André Garolli – É bem pertinente falar sobre isso. O nome do projeto foi para colocar em foco aquelas pessoas que são encarceradas, retiradas da sociedade para, depois do período de reclusão, serem reinseridas no convívio social, mas elas ficam à deriva da sociadade, pois a ressocialização não acontece efetivamente quando se tem o termo ‘ex-presidiário’ no RG. A mesma coisa eu tenho percebido, dando aulas há 20 anos, só na Wolf Maya leciono á 15. Gosto muito de matemática, e todo ano busco fazer uma estatística relativa a esta profissão (ator). A escola recebe no processo seletivo entre 260 e 270 novos alunos, mas acabam se formando em torno de 50 pessoas. Sempre acompanho os grupos que se formam: depois de dois anos, apenas cinco ou seis seguem a profissão, muito em função da falta de mercado. Temos o pequeno, mas siginificativo, mercado dos musicais e da televisão, o teatro e o cinema, que ainda não conseguem absorver uma grande gama de profissionas, e as séries de TV e web, que acena com boas possibilidades, mas ainda no começo. Esse é o pequeno mercado disponível para os que se formam. Se os alunos não estão ligados a um grupo de teatro ou atuando como assistente de um professor, que pode levá-los para algum projeto e ajudar na sua inclusão, realmente eles vão ficando à deriva e a probabilidade de desistirem é grande. O projeto começou com ideia do estudo desses homens à deriva, que são devolvidos à sociedade e não sabem para onde seguir. Trabalhando, eu observei que esses alunos seguem um trajeto parecido, considerando as devidas particularidades.

Escola Wolf Maya – É de conhecimento público que 217 jovens se inscreveram para participar do projeto, sendo selecionados apenas os 37 que estão no espetáculo. Como se deu o processo seletivo e a preparação dos mesmos para entrarem em cena?

André Garolli – Homens à Deriva faz parte de uma trilogia, iniciada com Homens ao Mar (2004), quando o Grupo Tapa tinha o Fomento ao Teatro e ocupava o Teatro Arthur Azevedo, onde eu ministrava aulas para iniciantes. Havia, na época, muita procura por cursos livres, não profissionalizantes. Depois das aulas, aos finais de semana, íamos jogar bola em um estacionamento em frente. Então sugeri que iniciássemos um estudo, algum projeto, ao invés de jogar bola depois do ensaio. Foi aí que o Eduardo Tolentino me trouxe as ‘peças do mar’, de Eugene O’Neill, e começamos a ‘brincar’ no teatro, fazendo da caixa cênica um navio com todos os seus compartimentos. Esse estudo resultou em ‘Rumo a Cardiff’, em 2004, com 42 atores iniciantes em cena, além de dois convidados. Em 2011, concebi o projeto Homens à Margem para discutir a marginalidade. Enquanto o primeiro discutia questões humanas como morte, desejo, laços familiares e volta a casa, este tratava da marginalidade, da marginalização. Trabalhamos com duas peças nacionais, ‘Abajur Lilás’ e ‘Dois Perdidos numa Noite Suja’, de Plínio Marcos, e ‘Macaco Peludo’, de O’Neill, que discute a inserção de um marginal, que vivia como escravo em um navio, na sociedade capitalista. Esse trabalho reuniu 60 pessoas e o espetáculo chegou a ter 47 em cena. Desde 2014, venho tentando viabilizar Homens à Deriva, e, com o apoio da Lei do Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, concebi a ideia que, como já citei, discute a situação dos homens que são retirados do convívio social e não conseguem mais se inserir quando voltam. O texto escolhido foi ‘Not About Nightingales’, do Tennessee Williams, que resultou na peça ‘Inferno – Um Interlúdio Expressionista’.

 As inscrições eram para iniciantes e recém-formados e tivemos uma grata surpresa: 217 interessados, o que nos obrigou a dividir o grupo em três turmas para explicar o projeto na audição. No primeiro momento, colocamos em cartaz no Teatro Arthur Azevedo quatro peças dirigidas por mim – ‘Memórias Não Inverntadas’, ‘História dos Porões’, ‘Abre a Janela’ e ‘Desilusão das Dez Horas’ – as quais deveriam assistir e fazer uma resenha crítica. Recebemos quase 800 resenhas para conceituar, a partir do conteúdo e da observação crítica. Depois participaram de um ciclo de palestras com vários profissionais: Dr. Dráuzio Varela que falou sobre sua experiência no presídio Carandirú; André Lozano, advogado criminalista; Helena Vaz que falou sobre Stanislavski; Maria Silvia Betti e Luiz Márcio que abordaram Tennessee Williams; Luiz Serra, Analy Alvarez e Zecarlos de Andrade que discutiram a carreira de ator no período da ditadura militar; e Elias Andreatto que falou sobre o trabalho efetivo do ator. Os canditatos resenharam cada palesta, que foi o filtro para a seleção de 130 pessoas, que participaram da primeira fase das oficinas, voltada para o treinamento do ator, com Marcela Grandolpho (trainamento de técnicas de Stanislaviski), Pax Bittar (técnicas de ritmo de cena) e Mônica Grando (oficina Mulheres do Cárcere, sobre como seriam as mulheres em torno do cárcere, que acabou levando-as para dentro do presídio na cena do espetáculo). A terceira fase foi a montagem. Os ensaios tiveram também oficinas preparatórias – de canto, voz, corpo, luta, dança, escuta, improvisação – que deram ferramentas aos atores. E convidei três atores profissionais, o Fabrício Pietro, a Camila dos Anjos e o Fernando Vieira, que fariam – e fizeram – a troca com esses jovens.

Escola Wolf Maya – Apesar de jovens, o coro é feito por profissionais, sendo 20 deles formados pela Escola de Atores Wolf Maya. Qual é a relevância da profissionalização oferecer teoria e práticas em todos os âmbitos da atuação?

André Garolli – Sou formado em Engenharia Mecânica, trabalhei numa empresa na área de vendas e fiz curso livre de teatro para desinibição, onde conheci o Antonio do Valle e descobri que adorava teatro e seria esse o meu caminho. Era final dos anos 80. Antônio me orientou numa época de poucos cursos profssionaliantes de teatro, mas a Oficina Cultural Oswald de Andrade começava suas atividades. Sou recordista de oficinas lá: foram 65, com os mais diversos profissionais, em todas as áreas e estétias, que ajudaram muito na minha formação. Lembro que queria muito trabalhar a linguagem do Grupo Tapa, e lá fui para fazer seu curso. Havia muitos festivais de teatro na época, nossa formação era na prática. Isto no aproximava de pessoas do meio e dava visibilidade. Foi quando surgiu a Cia Triptal. Dos anos 80 para cá, houve uma maior profissionalização, surgiram mais escolas. Com isso, nós ganhamos e também tivemos perdas. Os ganhos: ter uma instituição profissional com pensamento pedagógico, como é o caso da Escola Wolf Maya, com profissionais que estão no mercado e que podem dar subsídio teórico e prático para os alunos. E as perdas passam pela sensação da individualização: quando o aluno sai da escola, sozinho, para um mercado que ‘não existe’. De novo a gente cai na questão do “à deriva”. Anteriormente, a pessoa fazia o curso e tinha que se juntar a um coletivo para fazer algo e pertencer a esse universo. Atualmente, falta condição para os alunos formados se inserirem no mercado, mesmo que, a princípio, seja um trabalho amador. Amador no sentido da concepção artística, da produção. Entendo como profissional aquele que recebe pelo trabalho. Eu, muitas vezes, não recebo pagamento; faço porque gosto do texto ou quero trabalhar com aquelas pessoas. Na verdade, estou fazendo um trabalho amador, mas sendo profissional.

Escola Wolf Maya – Existe um caminho de oportunidades para os jovens atores? Como você acha que uma escola pode contribuir para que os atores em início de carreira encontrem oportunidades de trabalho?

André Garolli – Acho que a Escola não tem obrigação de se responsabilizar pela entrada dos alunos no mercado. Talvez pudesse trabalhar melhor a conscientização, o que já fazemos na Escola de Atores Wolf Maya. Percebo isso em ‘Inferno – Um Interlúdio Expressionista’, pois, dos 37 atores do coro, 20 vieram da Wolf Maya. É perceptível neles a consciência da necessidade não só da formação, mas do agrupamento, da autoprodução, fatores fundamental para que sobrevivam nessa carreira. É animador ver que todos os professores, coordenados pelo Jô (Josemir Kowalick), colocam a situação de forma clara, sem ludibriar o aluno em relação à realidade, inclusive sobre esse ‘não mercado’. Acredito que os alunos que se formam em teatro com os trabalhos bem produzidos e são orientados até mesmo para conduzirem as montagens para outros espaços, já começa com um ‘cartão de visitas’. Digo isso para o coro de ‘Inferno…’: esse é o cartão de visitas de vocês. É fundamental o aluno entender o que é uma produção. Homens à Deriva teve esse caráter, com uma didática de encenação, da formação pessoal à produção do espetáculo – com discussões, criação de luz, cenário, figurino, e todo o trabalho de bastidores. Muitos se assustam com a dimensão do trabalho e com a dedicação necessária. Como diz Fernanda Montenegro, ‘nessa profissão 80% é vocação, 15% é talento e 5% é sorte’. Vocação passa pelo conhecimento do todo, de ser uma pessoa do fazer teatral, saber ouvir não e continuar. Talento é o que os deuses dão: você pode ter um rosto bonito, uma boa fala, ser extrovertido, mas sabemos que não é só isso que vai garantir a carreira. Tive a oportunidade de dirigir uma turma no Módulo 6 – em O Tambor e o Anjo – que era muito interessada. Eu me propus a continuar com eles fora da escola e arrumei um teatro para sessões às segundas-feiras. Eles vendiam ingressos para pagar as despesas e tinham aula de prática teatral comigo que eram aplicadas na cena. Desse grupo, uma moça virou iluminadora, três deles seguem trabalhando comigo, outra atriz foi estudar artes cências na Inglaterra e três formaram grupo de teatro. Então, proliferou.

Escola Wolf Maya – É comum os jovens associarem trabalho artístico com sucesso e notoriedade, sem antes considerarem o percurso de amadurecimento profissional. Onde, em sua opinião, a careira do ator se difere de uma profissão não artística e onde estão os pontos de interseção?

André Garolli – Importante essa abordagem. Esta é uma questão chave para que os alunos de teatro comecem a entender um pouco sobre como é isto. Quando comecei minha careira no Grupo Tapa, lembro-me da crítica Mariângela Alves de Lima em uma entrevista em vídeo do Peter Brook, diretor inglês, que, ao ser perguntado sobre o sucesso, dizia mais ou menos assim: “O que eu faço é essencial para minha vida, este é o meu trabalho, sou um trabalhador da arte. Eu não saberia fazer outra coisa, o que vier a mais é lucro, pois a espinha dorsal é o meu trabalho, assim como uma pessoa que nasceu para ser médico, engenheiro ou advogado”.  Se a ideia de sucesso, glamour, celebridade vem junto do trabalho e a pessoa sabe lidar com isso e lhe interessa… ok. Mas o fundamental é a ideia do trabalho, ser um trabalhador da arte. Considero-me um trabalhador, desde o início no Tapa e nos 12 anos seguintes como ator, onde esta sempre foi mentalidade. Carrego comigo essa ideia do trabalho, a partir da experiência com profissionais como Eduardo Tolentino, Denise Weinberg, Clara Carvalho, Guilherme Santana e Zécarlos Machado, entre outros; tanto para minha vida como para a Cia. Triptal. É importante ter foco na ideia do trabalho artístico, nunca a busca pelo glamour, pelo sucesso. Fazer sucesso é muito bom, como já dizia Juca de oliveira: ‘nossa profissão é abençoada porque fazemos o que gostamos, trabalhamos com o que amamos, ganhamos para isso e ainda somos aplaudidos, de pé’. Sem dúvida nenhuma, há hoje uma confusão entre as questões do fazer artístico e a glamourização, que tem muito a ver com a visibilidade proporcionada pela televisão, e os alunos, de certa maneira, confundem trabalho com imagem. Acho isso muito perigoso. Então procuro trabalhar com eles a ideia do prazer dessa profissão, o prazer de buscar e construir a cena, de contracenar, de descobrir uma inflexão, uma entonação. O que mais vier é consequência, independentemente de ser em teatro, televisão, cinema. Todas estas linguagens são para a arte do ator e todas trazem prazer, mas que nada seja superficial, porque isso, para mim, é a morte: vender o trabalho pela imagem não pela alma. O trabalho do ator é de alma.

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