“Se o riso não nos fará melhores, sempre nos fará sentir melhores”. Nelson Rodrigues classificou A FALECIDA como uma tragédia carioca, devido a sua antipatia artística com as corriqueiras comédias de costumes. Suas preferências e propósitos estéticos levaram-no a apostar no território do trágico. Mesmo com a presença de elementos cômicos seus textos nunca foram definidos como simples comédias. Os personagens de Nelson, segundo ele sintetizou, são seres paradoxalmente dominados por uma força desmedida, que agem exacerbadamente sem refletir, movidos pelas forças mais legítimas da natureza humana: o impulso do instinto. São criaturas dominadas pela violência da paixão, obsessão e loucura. O interesse pelo lado abissal e escuro da natureza, surge não como a revelação e sim como a necessidade de aprofundamento na própria essência da natureza humana e de seus impulsos destrutivos, numa espécie de aposta na salvação vinda pelo reconhecimento de sua hediondez. Eles perseguem valores elevados na mesma medida que tem prazer em transgredi-los, mergulhando num círculo vicioso de cessão ao pecado, vindo por um comprazimento pela abjeção que por sua vez vem sempre acompanhado de culpa, autopunição e autodegradação, num contínuo processo por prazer e culpa. Para o autor, a sociedade cultiva um sistema de mentiras que impedem o homem de ver sua real face. A FALECIDA, narra em três atos, a trajetória vertiginosa de Zulmira e Tuninho, um casal sem horizontes, de classe média baixa. Ela vítima de tuberculose e ele, desempregado, vivendo dos restos de sua indenização. O casal vê seus cotidianos virarem de cabeça para baixo a partir da visita aflita de Zulmira a uma cartomante, que lhe diz para ter cuidado com uma mulher loura, afirmação que ironicamente vai deflagrar em Zulmira a explicação para o mistério de todos os seus males.

A trama vai se fechando, como num jogo, com peças que parecem fazer parte de um enigmático quebra cabeças que tem sua surpreendente imagem revelada pouco a pouco. De uma forma surpreendente e não linear, com cenas fragmentadas, Nelson nos leva a acompanhar os deslocamentos cotidianos desses personagens, usando artifícios de quebra de tempo e espaço e incluindo o recurso do flashback após a morte de Zulmira. O autor também propõe ao encenador um espaço vazio, o que faz surgir (artificialmente) diferentes locais e ações que vão da casa da cartomante, ao lar de Zulmira e Tuninho, a Casa Funerária de Timbira, entre outros. Nesta adaptação, inclui-se também um “obituário rodrigueano” dando espaço e trazendo à tona, outros personagens (mortos ou não) de obras conhecidas do autor e que contrapõem seus desejos com os da protagonista.